22.10.04
Ao lado dela os carros passam numa correria desenfreada.
Pensa na sua vida. Está farta dos pais, sempre a ditar ordens. Do namorado que só lhe liga quando quer. De procurar emprego, sem sucesso. Dos amigos que desaparecem quando ela precisa deles. Olha para o céu. Vê o sol e a lua. Duas crianças passam por ela, a correr e a brincar seguidas por um cãozito. Recebe uma mensagem no telemóvel. Uma amiga diz que está lá para o que for preciso. Sorri. Há tantas razões para viver. Avança em direcção à estrada, ouve o apito e é atropelada pelo táxi. Chega já morta ao hospital.
publicado por wherewego às 22:29

Sorri e corre dum lado para o outro. Sente-se livre. Farto de estar em casa, passear num centro comercial é uma novidade e ao mesmo tempo uma aventura. Corre duma montra para outra. Vê brinquedos. Pede com os olhos e com palavras. Excitado, espera por uma resposta.
O pai, farto da balbúrdia semanal, sorri rangendo os dentes. Lembra-se dos passeios com o pai ao campo. Aí sim, brincava, jogava à bola, corria, aprendia a ser criança.
Olha tristemente para o seu filho! Sorri e pede-lhe calma.
A mãe procura, atenta e lentamente, uma prenda para a sogra. Farta-se dos gritos do filho. As suas corridinhas e gritinhos cansam-na. Dentro duma loja, a mala empurra umas canecas para o chão. Paga-as a contra gosto.
Cinco minutos depois o puto corre até ela e pede-lhe um brinquedo que vê numa montra. Pensa nas canecas e puxa o braço atrás. Dá-lhe uma bofetada, que o apanha desprevenido.
“Tou farta de ti! Porta-te bem.”
Uma lágrima cai, sorrateiramente, pelo rosto do catraio. A chapada magoou-o. Mas não na cara.
publicado por wherewego às 22:28

A noite começa a reinar, a escuridão vai preenchendo a sala. Sentado, cansado e adormecido ouve a música que vagamente sai do rádio. O dedo acompanha, com dificuldade, o ritmo. A custo consegue perceber a letra. Começa apensar no que está a ser cantado.
Chega à conclusão de que a música nada diz. Farto de trabalhar, ri-se como outros ganham a vida com pequenos nadas.
Devagarinho vai até à casa de banho onde enche a banheira de água.
publicado por wherewego às 22:24

Sentado junto ao rio observa o horizonte. Do outro lado a outra margem, no meio um rio brilhante e calmo.

Pessoas e animais vão passando atrás e à frente.

“Combinei com a João que íamos almoçar lá amanhã?”; “Amanhã? Mas amanhã…”

“Venha, Bernardo. Porte-se bem! Ai que apanha, Bernardo.”

“Não sei como conseguem comer aquelas gorduras todas, Deus me…”

Sente-se como um leitor caótico de livros rasgados ao meio. Sente-se uma página rasgada de um livro olhando para outras páginas que são lançadas pelo vento para lado nenhum…

publicado por wherewego às 22:22

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