04.06.05
O tempo dispersa-nos. A frase, não passa disso mesmo, é uma observação, mas não uma regra.
Vinte anos passados vejo como o tempo se uniu para nos juntar. Fez-nos bons amigos, rimos e chorámos, apoiámo-nos e fomos o ombro do outro. Andámos na mesma estrada, mas ao contrário de outros optámos por fazê-lo juntos.
Até que hoje o tempo começou a dispersar-nos.
Definitivamente. E a contra gosto!
Olhando para trás é difícil ver as coisas correctamente. A perspectiva não é a melhor, hoje pelo menos. Os acontecimentos flúem até mim sem qualquer ordem, não é um flashback ordenado, assim de repente nem sei ordenar tudo o que aconteceu.
Talvez por isso prefiro começar pelo fim ou pelo seu começo. Reunimo-nos todos em minha casa, esta era a minha vez. Foram aparecendo consentaneamente com a hora do fim do expediente. Primeiro a Leonor, depois o Carlos e a Vanda, aparecendo no fim e num acordo surdo o Rui e Mónica.
Pelo menos duas vezes por mês juntamo-nos a uma Sexta-Feira em casa de alguém, para falarmos, comermos, discutirmos, para nos vermos simplesmente! Para vermos um filme ou discutirmos a politiquice nacional!
Não consigo pensar no tema de conversa, estou demasiado cansado. Mas foi a última vez que estivemos todos juntos. Hoje pela manhã descobri que a Mónica tinha morrido, num acidente de carro. Não fez uma curva e cai duma altura significativa, tendo perdido instantaneamente a vida ou pelo menos é o que dizem. Passámos o dia atarantados, não sabendo como agir ou mesmo reagir. Fomos todos apanhados de surpresa, ainda ontem estivéramos com ela, a rir, a falar, conversar. Ao menos estivemos com ela, o Alberto, o marido estava em trabalho numa Feira de Editores Internacional. Falei com ele durante a tarde, vinha a caminho, estava à espera do avião e estava demasiado abatido para dizer muita coisa com nexo. Falarei com ele amanhã. Também eu estou cansado, vou dormir e pegar neste proto-diário de manhã.

Afinal o sol ainda não nasceu. Eu sem sono, perdi uma das minhas melhores amigas, tragicamente. Comecei este diário como uma forma de encadear ideias e de manter alguma calma, quando escrevo o nervosismo desaparce um pouco, escrever nas teclas, pensar e encadear uma linha de raciocínio acalma-me, alivia-me.
Conhecemo-nos na Faculdade. Não foi amor à primeira vista, fomo-nos conhecendo e criando os laços que ainda hoje nos prendem. Estamos unidos pelo tempo, pela amizade, pela cumplicidade, pela preocupação, pela experiência. Já passamos por tanta coisa juntos, que…
Somos uma família, penso que é isso que somos. Vivemos as nossas vidas, temos os nossos problemas, discutimos mas a amizade mantém-se.
Todos entrámos para uma Faculdade de Letras, com sonhos e desejos um pouco ainda enevoados. 20 anos depois um de nós trabalha na área, sendo professor. Os outros pairaram por ali durante algum tempo, mas depressa encontraram outros interesses.
A Mónica era designer, amadora mas boa naquilo que fazia. Claro que ter um marido editor sempre ajuda, mas nem era este o caso. Ela fazia a direcção artística de uma editora que não a do marido. Quantas vezes brincámos com ela dizendo que o seu sucesso ainda seria o fim da carreira dele? Sempre na brincadeira porque cada um deles é (era no caso dela, alguma vez me habituarei a falar dela no passado?) bom na sua área de trabalho.
Na 6ª feira falava de como poderia ter ido com o marido, mas estava a terminar um trabalho com alguma urgência e de qualquer modo não lhe apetecia ir a “coisas daquelas, ainda por cima eu trabalho para a concorrência”, se ela soubesse! Uma estúpida Feira em troca da sua vida! Que raio de desfaçatez, a do destino!
publicado por wherewego às 23:18

Tenho alguns textos começados, talvez no amargo desejo de os poder publicar um dia, se ficar satisfeitos com eles. são somente ideias imberbes, meras sombras de ideias mais amadurecidas.
Aqui fica um, que não é o que parece, pelo menos na ideia!
João estava habituado a beber café com o Viegas, mas nunca àquelas horas.
Por acaso hoje estava de folga, mas estranhara o facto do amigo não estar a dar consultas. Tinham-se conhecido em Lisboa, na Faculdade. Ou melhor na residência. Já que o Viegas tirara medicina e o João Agronomia. Este último utilizava os conhecimentos práticos e teóricos do curso na fazenda do seu pai, o Viegas, o Dr. Viegas abrira um consultório na vila natal do João a conselho deste.
Era uma vila alentejana, com muitos idosos e nenhum médico residente. O hospital mais próximo estava a oitenta quilómetros e a clínica a quarenta.
O Viegas pesara os prós e os contras, os pontos positivos e negativos e pedira um empréstimo para comprar casa e mobilá-la como consultório.
Estava ali há três anos e a coisa ia correndo. Tivera uns meses mais complicados, mas o amigo ajudara-o.


“Acreditas em fantasmas?”, perguntou-lhe, olhando-o nos olhos.
O Dr. Viegas fizera a pergunta olhando para o amigo. Sem sorrir, num tom de voz que se ouvisse, e de forma a que o outro percebesse que não se tratava de uma brincadeira.
Não foi totalmente bem sucedido. O outro olhou para ele com um sorriso que mostrava que tentava descobrir onde queria chegar o médico.
“João, falo a sério. Acreditas em fantasmas?”
O outro percebendo alguma angústia na voz, sorriu disfarçadamente e disse “Não! Mas que los hay, hay!”
Viegas levantou-se, encheu um copo com água-ardente e bebeu-o de um trago. “Há duas noites que não durmo! Ando demasiado nervoso e…”
O amigo interrompeu-o, perdendo pelo caminho o sorriso. Percebera que havia alguma coisa séria naquela questão.
“Que se passa? Viste algum fantasma?” Ainda que tivesse tentado, esta última pergunta tinha saído com um pouco de troça. Fora involuntário. João era demasiado pragmático e terra a terra para acreditar em fantasmas. E mesmo que os visse nem acreditaria neles nem os temeria de forma alguma.
O outro encheu mais um copo, ia a levá-lo à boca quando João o interrompeu. “Ou contas-me o que te preocupa ou bebes. As duas coisas não, ok?”
Viegas fez uma cara de resignação, sentou-se, agora mais à vontade e definitivamente, no sofá. Fez sinal ao amigo para que se sentasse, ou no mesmo sofá ou no outro em frente. Pediu-lhe para que apagasse a televisão. Passou a mão pela cara, estava nervoso e o amigo sabia-o.
Acendeu um cigarro, oferecendo um ao ouvinte. Deu duas ou três baforadas.
Olhou para o chão em baixo e em frente.
“ Vinha da cidade, tinha ido ao cinema. Tinha…”
“Desculpa. Mas quando é que isso aconteceu? Seja isso o que for…”
“Ah! Desculpa. Hum…hoje é Quarta? Foi no Sábado. Ou melhor, foi de Sábado para Domingo. Vinha da cidade, tinha começado a chover. O filme acabou por volta das 23h30, mais minuto menos minuto. Eu saí logo. Entrei no carro e dirigi-me para aqui.
Na ponte velha apanhei uma bátega d´água enorme e tive de abrandar. Não via praticamente nada. A estrada estava vazia,e os postes pouco iluminavam. Eu ia quase parado. Primeiro porque não via quase nada e porque tinha medo que me aparecesse algum à frente. Depois da curva da ponte vi alguém na berma da estrada. Abrandei e vi uma rapariga. Estava encostada a uma árvore, tentando que a pouca folhagem a protegesse. Parei o carro e convidei-a a entrar. Ela demorou algum tempo a tomar uma decisão. Olhou para mim, a cara…” Bebeu o copo de água ardente e acendeu outro cigarro.
“Que é que tinha a cara? A moça era feia? Tinha algum defeito?”
Viegas interrompeu-o, com um sorriso triste. “A moça era bonita. Não tinha nenhum defeito. Mas quando olhou para mim, antes de entrar, não consegui ver expressão alguma. Não parecia estar triste ou incomodada por estar molhada, nem mesmo agradecida por eu lhe oferecer boleia. Não consegui ler nenhuma expressão na face dela.”
“Se calhar estava tão gelada que não teve tempo para reagir. Falaste com ela? Reagiu depois no carro? E afinal o que tem isto a ver com fantasmas?”
Viegas deu um risinho baixo, quase imperceptível. “Falei com ela no carro, falei. Ela aceitou a boleia. Sentou-se no banco ao meu lado. Estava completamente molhada. Tremia. A princípio pareceu-me que muito, mas depois talvez só um pouco. Como sabes da ponte velha até aqui à vila são pouco mais de 10 minutos, mas como chovia demorei um pouco mais. Quinze a vinte minutos. Esperei um pouco a ver se ela dizia alguma coisa, mas foi em vão. Quando abri a boca foi para lhe perguntar se tinha frio, sabendo que a resposta era afirmativa. Quando ela me respondeu disse-lhe que se tentasse aquecer com o meu casaco que estava no banco de trás.
Olhei para ela, mas estava demasiado escuro para ver algum tipo de reacção. A verdade é que ela se virou para trás e cobriu-se com o casaco.
Perguntei-lhe o que estava ali a fazer à chuva no meio do nada. Ela olhou para mim, e disse-me numa voz rouca que se molhava. Fiquei irritado pela resposta, lembro-me de pensar que ao menos podia falar e mostrar alguma simpatia para comigo. Sempre lhe estava a dar boleia! Ela não disse mais nada.
Perguntei-lhe para onde ia, e ela disse-me que se a pudesse deixar na vila que ficava agradecida. Disse-me que ficava na rua da escola.
Chegámos à vila e continuava a chover forte. Perguntei-lhe qual era a porta e ela apontou-me um portão. A casa não tinha porta para o lado da frente e eu disse-lhe que levasse o casaco e que passaria no dia seguinte ou na Segunda para o buscar. Pareceu-me que ela ficou algo renitente, mas lá foi.
Cheguei a casa, cansado e com frio. Ainda pensei em tomar um banho, mas estava demasiado estafado. Vesti o pijama e deitei-me.
No Domingo acordei ao meio-dia.”
“Olha lá, continuo a não perceber o que é que isso tem a ver com fantasmas. De qualquer modo diz-me lá uma coisa, a rapariga ao menos era gira? Que idade teria? Sempre voltaste lá? O que aconteceu? E não consegues dormir porquê?”
“Tens um cigarro? Os meus acabaram-se.”
“Porra! Vê lá se começas a fumar e deixas de os comer. Fumaste três seguidos! Não faças essa cara, toma lá um. Toma o maço, se quiseres tirar algum tira!”
publicado por wherewego às 23:14

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