Dez da noite, e faz ainda um calor sufocante. O chão transpira o calor retido durante o dia.
Tenta seguir a custo. As ruas estão prenhas de gente. Comemora-se a festa anual do Santo da cidade. Haverá um número ínfimo de fiéis assíduos no salão frio da igreja.
Mas, pelo menos uma vez por ano, o Santo é pretexto para comes e bebes, concertos, venda de artesanato e algum desvario sexual.
Coloca-se na fila das farturas.
Enquanto espera, lembra-se dos fins de semana da infância, no Alentejo fronteiriço na aldeia onde nasceram os avós. Uma aldeia pequena, com pouco mais de mil habitantes e que tem a proeza de no largo ter dez tabernas, só no largo, outras há espalhadas e todas conseguem dar o pão nosso de cada dia aos seus proprietários!
Lembra-se de uma manhã chuvosa e fria. Levantara-se por volta das nove horas e a avó dera-lhe quinhentos escudos para comprar farturas. Trouxe um saco cheio, hoje a unidade custa um euro!
Nunca as farturas lhe souberam tão bem, juntamente com uma caneca de café. Naquela aldeia, perdida entre Espanha e o Guadiana e o resto de Portugal.
Na altura o Alentejo era uma maçada. Demasiado frio no Inverno, angustiantemente quente no verão, e com o Pai, de verão e inverno, a lançar a âncora naquela aldeia.
Hoje é da cidade que está farto, farto dos carros na estrada e em cima dos passeios, fartos das pessoas que não sabem sorrir e que só querem saber da vida dos outros para a quadrilhice, da ausência de espaços verdes e da incoerência humana que nos tempos de lazer preenche os centros comerciais. Quer faça frio, quer faça calor.
Aos cinquenta e cinco anos apetece-lhe fugir para o Alentejo. A pré-reforma, ainda que curta, dar-lhe.á o suficiente para ele, e um quintal e uma pequena horta dar-lhe-ão mais alguma folga à carteira.
Um ano depois, numa noite mais quente que esta, numa festa associada a outro Santo, pensará na vida que levava na cidade, ao comprar uma fartura, numa aldeia alentejana.
"Uma fartura e meia dúzia de churros, se fizer favor."