10.10.07
Quando os outros queriam ser bombeiros ele queria ser leitor. Ainda antes de saber ler que andava com livros de banda desenhada atrás.
Lembra-se de dizer ao pai que não precisava de aprender a ler, construía as suas próprias histórias com base nos desenhos.
Pena que o ordenado de leitor seja inexistente. E cada vez gasta mais dinheiro com os livros, que são caros e marcam pela ausência de revisão.
Mas, ele gosta de todos os livros que compra, mesmo dos execráveis. Porque um leitor é também um escritor.
Vai alterando a trama, as personagens à medida que lê o livro. Pequenas ou grandes alterações. Vai comparando a sua técnica com a do autor original, adultera factos, mata personagens, acrescenta outras.
Ler é também escrever... o que seria dele se somente lesse o que compra?
Estaria louco...

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Ao lado dele um livro antigo, encadernado em couro, amarelecido pelo sol e pelo suor de várias mãos, mas principalmente das suas.
Já não escreve há dez anos, oficialmente, entenda-se.
Aparentemente, reformou-se aos 70 anos. Desde os 17 que publica(va).
Ganhou prémios, fãs, detractores, e um “prémio de Carreira”, como costuma dizer. Foi o canto do cisne, assim que o ganhou desistiu de publicar.
Tinha-se fartado dos críticos de trampa, das editoras que só editam mediante o sucesso imediato, dos leitores que ainda esperam por um livro como o segundo…
E ele que a cada livro vende menos e menos!

Fartou-se!
Escrever, já só para ele mesmo.
Agarrou no livro antigo e leu-o, várias vezes.
Reescreveu-o. Alterou o que quis, o tempo, as personagens, o meio, o fim.
Depois de escrito, leu-o uma vez e reescreveu-o. Repetiu o processo várias vezes, em busca de um livro perfeito.
Há dez anos que o faz, aperfeiçoa a sua obra-prima. Obra irmã que nunca ninguém criticará…
Não haverá leitores ou críticos. Este livro é só dele!
___________________________________________________________________

Sentado,
escrevo.
Num velho caderno que me foi oferecido
há imenso tempo
para que me lembre por quem.
Encontrei-o no meio daquelas coisas
esquecidas e perdidas
que temos em casa.
Achei-o ideal para a história que tenho em mente.
E vou escrevendo.
Até que me apercebo que as folhas acabaram,
mas não a história.
E não tem sentido,
não tem sentido,
terminar a história noutro caderno.
Esta narrativa pertence a este caderno.
Triste pelo fim abrupto,
caminho
até ao pontão.
Olho para o caderno,
numa tentativa muda,
esperando que ele me diga se quer ir inteiro ou separado
de encontro ao frio molhado das águas.
Viro as costas, depois de lançar o caderno.
Escrevo,
sentado.


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Sentado junto ao rio observa o horizonte.
Do outro lado a outra margem, no meio um rio brilhante e calmo.
Pessoas e animais vão passando atrás e à frente.
“Combinei com a João que íamos almoçar lá amanhã?”, “Amanhã? Mas amanhã…”;
“Venha, Bernardo. Porte-se bem! Ai que apanha, Bernardo.”;
“Não sei como conseguem comer aquelas gorduras todas, Deus me…”
Sente-se como um leitor caótico de livros rasgados ao meio. Sente-se uma página rasgada de um livro olhando para outras páginas que são lançadas pelo vento para lado nenhum…
publicado por wherewego às 12:23



Fui a mais uma ante-estreia, ontem tive o prazer de ver A Vida Interior de Martin Frost de Paul Auster.
O filme foi destruído pela crítica (um crítico americano colocou em causa a veracidade das nossas árvores!!! O filme foi filmado em Portugal, e para ele as árvores pareciam feitas de cartão...Enfim...) americana, o que me parece compreensível depois de o ver. The Inner Life estará mais próximo de um filme eropeu agradará mais a este do que a um público e a críticos habituados/moldados ao actual cinema americano.
Paul Auster conta-nos a história de um escritor de sucesso, Martin Frost, que depois de terminar o seu último livro decide descansar na casa de uns amigos, no campo, enquanto estes estão fora. Quando acorda no primeiro dia depara-se com uma mulher na cama. Pouco a pouco o fascínio vai dando lugar ao amor e Claire torna-se a sua fonte de inspiração. Mas, quem é esta mulher, que se diz sobrinha do casal amigo, mas não o é? Poderá o amor manter-se perante a mentira, e poderá sobreviver quando Claire começa a adoecer gravemente?

Estou a tentar ser o mais elusivo possível, parece-me que o espectador ganhará mais se for mais ignorante para a sala escura. O que pode ser um pau de dois bicos, alguns dos espectadores saíram durante o filme, chateados ou aborrecidos com este.
Eu? Adorei. Não conheço a história que deu origem a este filme, e o filme não será perfeito, está demasiado preso à ideia, à identidade da Literatura, ou se quiserem por vezes é mais literário do que cinematográfico, o que pode ser um problema quando queremos ver um filme e não ler um livro. A voz off (o próprio Paul Auster) que faz a narração é por vezes castradora da interacção entre o público e a história, conta demasiado, explica demais.
Sendo uma história e um filme de Paul Auster é normal que haja algo de si e do seu estilo, não teremos aqui uma história normal (princípio, meio e fim) com a casualidade-efeito que estamos habituados, não será isso que mais interessa. É aliás explicado por Martin no filme quando este diz a Claire que não é tanto a acção da história que interessa, mas a reacção da personagem. Não é a trama que lhe interessa, mas as alterações que se darão nas personagens.
Gostei bastante do filme, é um universo mágico, que toma uma ideia clássica de uma forma interessante (ou várias ideias, o filme é uma manta de retalhos de ideias) mas tomou-me de surpresa e fiquei bastante agradado. Visualmente é deslumbrante e não tem árvores de cartão, o tipo que o disse será uma autêntica besta ou ignorante ou americano, risquem o que quiserem.

Fiquei convencido, sr. Auster.
Obrigado.

publicado por wherewego às 08:41

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