Lembra-se de dizer ao pai que não precisava de aprender a ler, construía as suas próprias histórias com base nos desenhos.
Pena que o ordenado de leitor seja inexistente. E cada vez gasta mais dinheiro com os livros, que são caros e marcam pela ausência de revisão.
Mas, ele gosta de todos os livros que compra, mesmo dos execráveis. Porque um leitor é também um escritor.
Vai alterando a trama, as personagens à medida que lê o livro. Pequenas ou grandes alterações. Vai comparando a sua técnica com a do autor original, adultera factos, mata personagens, acrescenta outras.
Ler é também escrever... o que seria dele se somente lesse o que compra?
Estaria louco...
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Ao lado dele um livro antigo, encadernado em couro, amarelecido pelo sol e pelo suor de várias mãos, mas principalmente das suas.
Já não escreve há dez anos, oficialmente, entenda-se.
Aparentemente, reformou-se aos 70 anos. Desde os 17 que publica(va).
Ganhou prémios, fãs, detractores, e um “prémio de Carreira”, como costuma dizer. Foi o canto do cisne, assim que o ganhou desistiu de publicar.
Tinha-se fartado dos críticos de trampa, das editoras que só editam mediante o sucesso imediato, dos leitores que ainda esperam por um livro como o segundo…
E ele que a cada livro vende menos e menos!
Fartou-se!
Escrever, já só para ele mesmo.
Agarrou no livro antigo e leu-o, várias vezes.
Reescreveu-o. Alterou o que quis, o tempo, as personagens, o meio, o fim.
Depois de escrito, leu-o uma vez e reescreveu-o. Repetiu o processo várias vezes, em busca de um livro perfeito.
Há dez anos que o faz, aperfeiçoa a sua obra-prima. Obra irmã que nunca ninguém criticará…
Não haverá leitores ou críticos. Este livro é só dele!
Sentado,
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Sentado junto ao rio observa o horizonte.
Do outro lado a outra margem, no meio um rio brilhante e calmo.
Pessoas e animais vão passando atrás e à frente.
“Combinei com a João que íamos almoçar lá amanhã?”, “Amanhã? Mas amanhã…”;
“Venha, Bernardo. Porte-se bem! Ai que apanha, Bernardo.”;
“Não sei como conseguem comer aquelas gorduras todas, Deus me…”
Sente-se como um leitor caótico de livros rasgados ao meio. Sente-se uma página rasgada de um livro olhando para outras páginas que são lançadas pelo vento para lado nenhum…