Cristo diz: «Dai-me tudo. Não quero tanto do vosso dinheiro, e tanto do vosso tempo e tanto do vosso trabalho: quero-vos a vós. Não vim para atormentar o vosso ser natural, mas para o matar. Meias medidas não bastam. Não quero cortar um ramo aqui e outro ali, quero derrubar a árvore. Não quero meter a broca no dente ou pôr-lhe uma coroa ou obturá-lo: quero extraí-lo.
Dai-me todo o vosso ser natural, todos os desejos que julgais malignos - absolutamente tudo. Em compensação, dar-vos-ei um novo ser. (...) a minha vontade será a vossa.»
Mais difícil e mais fácil, como vêdes, do que o que todos nós temos procurado fazer. Observastes com certeza que o próprio Cristo por vezes se refere à via cristã como muito difícil, outras como muito fácil. Diz ele: «Tomais a vossa cruz.» Quer dizer, vai ser como se fossemos mortos à panncada num campo de concentração. E num minuto depois diz-nos: «O meu jugo é fácil, o meu fardo é leve» E fala a sério em ambos os casos. E pode-se perceber porque é que ambos são verdadeiros.
Ele o disse - um cardo não pode dar figos. Se eu sou um campo onde não há senão sementes gramíneas, não posso produzir trigo. Cortar a relva conserva-a curta: mas continuarei a produzir erva em vez de trigo. E se quiser produzir trigo, a transformação não pode ser só à superfície. Tenho de ser lavrado e semeado de novo.
CS Lewis - Para além da personalidade, Edições Gama, 1946