Olhou para o local que tinha sido a sua casa nos últimos 15 anos.
Ali tinha passado toda a sua vida. Crescera, chorara, rira. Conhecia cada canto.
Olhando para a casa vazia pensava na distinção muito anglo-saxónica entre house e home.
Mesmo vazia aquela casa era mais do que uma casa.
Em frente a uma das janelas olha a rua em frente. Vê o Sr. Janeiro a passear o cão, o vizinho Frade a limpar compulsivamente o carro, vê a Dª Catarina sentada à janela, tirando mentalmente notas para a conversa com as outras velhotas, no café.
A sua casa, o seu lar não tinha só paredes, começava na rua, 50 metros acima, e terminava lá em baixo, na praceta. Começava no R/c e terminava no 3º andar. O seu lar começava nas caras que tinham um nome, e mesmo naquelas em que o ignorava.
O seu lar começava na vizinha que lhe abria a caixa do correio, com a chave dela (!), "Hoje tens uma carta!". Continuava na bola que era chutada pelo puto de cima, no som da aranha, a percorrer a casa, da irmã mais nova dele. Continuava nos amigos que lhe tocavam à porta para irem juntos no autocarro para a escola. O seu lar terminava ali.
A sua casa seria outra agora, noutro local, com novas caras, novos limites, novas manias. Demoraria tempo até ser novamente um lar.
Mesmo com os mesmos móveis.