É 2ªF. A família veio visitá-lo no fim-de-semana. Estou só e abandonado, pensa.
Três filhos, cinco netos e três bisnetos e mesmo assim estou só e abandonado. Tenta lembrar-se dos nomes dos filhos. Vê as suas caras passarem, lembra-se de acontecimentos relacionados com eles (embora não saiba o seu cérebro junta filhos e acontecimentos desordenadamente. Os nomes escoam-se dentro de si. Parece não se aperceber disto.
Tem setenta e cinco anos, nasceu há várias realidades atrás. O mundo mudou muito depois disso. As suas experiências de vida e a sua forma de ser foram pautadas por uma realidade específica, hoje tudo é diferente.
Viveu toda a sua vida em estar doente. Não se lembra de ir ao médico antes dos 65 anos.
Perante o olhar preocupado do médico dizia “Sr. Dr., estou de perfeita saúde”.
Saiu do gabinete com a esposa, um dos filhos demorou-se um pouco mais com o médico. Trazia uns papéis na mão, “Uns exames para o pai fazer”.
Olhou para o filho, olhou para os papéis e deixou-se levar pelas pernas para junto do carro. Há tanto tempo que carregava o esqueleto neste mundo, não era agora que essa experiência ia chegar ao fim. Sempre se agarrara à vida como a única coisa palpável que conhecera. Era a única coisa que se mantivera, até agora, real para si. Fora a única coisa que nunca lhe fugira.
Nasceu numa família grande, tinha 9 irmãos e irmãs. Ele era o 7º na linha crescente. Um 11º tinha nascido, mas não sobrevivera mais do que 1 ano.
Não pode dizer que conhecera o amor do pai. Algumas mostras de carinho, de apreço. Nunca dois sorrisos seguidos.
Entra numa sala branca onde lhe fazem alguns exames, com uma bata branca vestida. Sai da sala, vai à casa de banho. Senta-se novamente na sala de espera. A recepcionista diz que tem de esperar um pouco mais. A bexiga já encheu com o nervosismo. Volta a levantar-se e a ir à casa de banho.
O Sol bate-lhe nas pernas, é 2ª F e está só num jardim de estranhos.