Os pensamentos acorrem-lhe sem grande conexão. Nervoso por estar longe da família, nervoso por hábito, nervoso por patologia, os pensamentos acorrem-lhe sem grande conexão devido ao nervosismo instalado no seu interior. Apetece-lhe gritar, mas ainda guarda um pouco da timidez e educação de outrora. Perante estranhos fecha-se, e ainda mantém um pouco de calma e compreensão da situação para se recusar a fazer figura de tonto à frente de tantos estranhos.
Lembra-se dum chocolate. Quando fez…anos, não se lembra quantos. Lembra-se do chocolate, somente.
Eram um prazer e uma tortura. Tinham direito a uma vez por ano a um chocolate, quando faziam anos. Mas a prenda era dada em público, o que fazia com que todos os outros olhassem gulosa e nervosamente para o doce.
Comeu-o. Nunca nenhum dos irmão dera um pouco aos outros. O chocolate não era assim tão grande, a vez do outro viria. Era uma prenda e uma oportunidade para se sentir único.
Lembra-se que foi a mãe que lhe deu o chocolate. O pai estava no café, dera-lhe os parabéns timidamente. A mãe, baixinha, seca, com um sorriso sincero deu-lhe um beijo na testa e deu-lhe o doce.
O filho acompanhou-o à consulta.
Sente-se meio perdido no meio de tantos papéis. O médico aprecia-os com um ar grave.
Olha-o nos olhos e diz-lhe que sofre de duas doenças degenerativas.
Abana a cabeça, triste, sem perceber o que são doenças degenerativas. Mas a palavra doenças começa a fazer estragos na cabeça e sistema nervoso. Já não olha para o homem que está à sua frente. Olha para dentro. Sente-se ficar maldisposto. Começa a imaginar coisas.
Vê o doutor entregar um cartão ao filho.
Chamam-no para o almoço. Nervosamente pergunta se há chocolate. A enfermeira diz-lhe que hoje é peixe, mas que se poderá arranjar qualquer coisa depois do almoço. Chocolate.
Chocolate é naquilo que pensa e pede durante toda a tarde. Chocolate. Trazem-lhe uma tablete.
Olha e não reconhece o que tem na mão. Não era deste que comia.
Queria chocolate mas não deste.
Queria…