Uma da manhã.
Cheguei à pouco a casa. Venho do El Corte Ingles (isto em espanhol é acentuado ou não)?
Vi o 30 Dias de Noite e...
E...já falo do filme.
Deixem-me fazer primeiro um pequeno parântese.
30 Dias de noite é baseado numa BD de sucesso que deu origem a outras, várias, mini-séries. Há alterações entre a BD (ou novela gráfica, como diz o poster do filme) e a história do filme, mas são circunstanciais.
Já aqui escrevi sobre a diferença entre mediums, e a forma como ela é feita. Cito Sin City, por ser um decalque, que para mim falha em algumas coisas. Sin City, o filme, é decalcado quase quadrado a quadrado da BD, no entanto o que na BD eu encarara como violência, na transposição para a tela dá-me vontade de rir ( a cena de Bruce Willis -era o BW, não era? - a guiar o carro da polícia e a espetar a cara,e o resto do corpo, do polícia no asfalta enquanto guia). Há uma enorme diferença na maneira como sentimos as coisas de medium para medium, daí algumas das alterações por vezes feitas.
Portanto, a primeira pergunta é, como resulta a transposição da BD para o cinema? Dificilmente o filme poderia ser tão violento como a BD, para quem já leu ou conhece a arte de Ben Templesmith isso é facilmente perceptível. O traço de Templesmith é cru e deturpado, feio mesmo, e a principal questão era "como serão os vampiros no filme"? Um pastiche, um decalque, alguns pelo menos, o que cria uma certa estranheza, várias pessoas riam quando aparecia um deles com o queixo coberto de sangue. A verdade é que estes vampiros estão a léguas de distância da ideia romântica, esqueçam Gay Oldman... um dos pontos fortes do filme para mim são os vampiros, mais bestas do que seres humanos, com alguns resquícios de humanidade (a voz, por exemplo), mas a comportarem-se como animais.
A violência da BD é extrema e mostra "naturalmente" (a culpa é de Templesmith) a carnificina.
As primeiras cenas de massacre do filme são quase ao estilo de Blair Witch, a câmara treme demasiado e pouco mais vemos do que sangue.
E não, isto não quer dizer que eu não tenha gostado do filme, bem pelo contrário.
30 Dias de Noite conta a história de Barrow, uma cidade no Alaska, e dos seus habitantes. Uma vez por ano os seus habitantes têm de passar um mês de noite, em que o sol desaparece. É neste cenário que são atacados por vampiros, sendentos de sangue, aproveitando o seu cenário natural preferido, a noite, seu habitat por excelência.
30 Dias não é o típico filme de terror americano, em que a partir de determinada altura notamos que o realizador colocou a 5ª e só termina quando o genérico final aparece no ecrã. Não, 30 Dias demora algum tempo a arrancar, para alguns, quiçá, demsiado tempo. É neste introito que vamos conhecendo algumas das personagens, o dia a dia, alguns dos locais que veremos mais para a frente.
Vai demorar algum tempo até que a primeira morte, rápida nos abra caminho para o resto da matança.
30 Dias, como já referi, sofre. inicialmente e conscientemente, da decisão formal de através de golpes rápidos de câmara mostar o sangue a esguichar, os corpos a tremerem com a chegada da morte e o pânico geral. Poderia ser mais credível? Podia, e vai ser. A violência é crescente, e a visualização desta também.
O plano vertical, lá de cima, da cidade, com vampiros a atacarem humanos, com corpos e estrebuchar, com pessoas a disparar e a fugir mostra-nos um cenário desolador.
Como desoladora é a nossa sensação, de estarmos ali, a assistir àquelas mortes, ao desespero dos sobreviventes que vamos acompanhando, ao ouvirem e verem a morte, à distância, dos seus amigos, sem nada poderem fazer.
O filme é claustrofóbico. E eu senti, e sei que não fui o único, a senti-lo na pele. Entrando no espírito do filme, e poderá ser difícil a alguns, sente-se o desespero, a falta de soluções, o cansaço, a derrota como cada vez mais certa. Mas se há uma qualidade a exaltar é mesmo a ambiência criada pelo filme. É palpável.
Há mortes que são visualmente gore e chocantes, vemos cabeças a serem cortadas a golpe de machado (raramente são cortadas à primeira). Os vampiros são estilizados e um pouco, por vezes e na minha visão, cómicos, mas a forma como brincam com as vítimas, a reacção e bestialidade tomam conta da primeira sensação (admitindo que para alguns essa sensação possa ser permanente).
O final é marcante, e quando falo de final falo dos últimos 5 segundos de filme, que parecem uma eternidade ao olhar para aqueles olhos, que transmitem...o quê? Cansaço, apatia, vingança, mas que quase não transmitem nada, são olhos cansados e extenuado saí eu da sala, como se tivesse corrido quilómetros (no meu caso 500 mt chegariam). A sensação aprofunda-se quando o genérico final entra, sem a habitual música rock dos filmes de terror, com fotografias do passado, com caras queimadas nas fotos, com cães, num cinzento aterrador que nos mostra a cor do que passámos.
Saí do cinema a pensar que tenho de ver este filme novamente, e em cinema. Saí a pensar que será das melhores adaptações de BD para cinema. Saí a pensar que será o melhor filme de terror que me lembro ter visto e já vi alguns. Saí um pouco atarantado. Lembram-se de pensar na cabeça da Gwineth Paltrow ao saírem do Seven? Eu senti-me assim, o filme apoderou-se de mim, o filme não, a claustrofobia, e saí numa sensação de torpor.
Aconselho? Não aos espíritos mais cândidos - muitos foram os que saíram da sala.
Aconselho? Sem a menor sombra de dúvidas, se tiverem espírito forte, bora lá, eu vou convosco. Se não forem muitos, até pago o bilhete.
9/10
1.29 da manhã - ai, ai, ai...lá vou dormir à pressa.