Lembro-me dos westerns serem uma presença assídua na tv enquanto crescia. Lembro-me de algumas cenas de alguns desses filmes, as caravanas em círculo para se defenderem dos índios, os índios em cima das rochas, várias vezes preparando a emboscada, os irmãos da família Bonanza, o Lone Ranger e o seu companheiro índio, os duelos ao pôr do Sol.
Na colecção de DVDs há alguns westerns, , mas dois deles são dos meus preferidos, são de um italiano, Sergio Leone, um dos meus realizadores preferidos, há-de passar muita água debaixo da ponte para me esquecer de O Bom, o mau e o vilão e de Era uma vez no Oeste.
No primeiro dia do ano, deitei-me no sofá e vi dois outros westerns, El Dorado e The Man who shot Liberty Valance. Começou bem o ano, relembrando outras estrelas, outra forma de fazer cinema, outra linguagem cinematográfica.
El Dorado, de Howard Hawks, de 1966, conta com John Wayne, Robert Mitchum e um jovem James Caan no elenco.
Houve duas razões fortes para ver este filme, (re)ver John Wayne, agora com um pouco mais de siso em cima, e observar como Hawks conta quase sempre a mesma história, em filmes e géneros diferentes. Uma das coisas que mais me agrada em Hawks é a temática da camaradagem masculina, ao ver este filme lembrei-me de Only Angels have Wings (lá por casa em DVD), com Cary Grant, e que tenho de rever brevemente. (Hawks é um dos meus relizadores favoritos, aconselho Bringing Up Baby, uma comédia brilhante com Cary Grant e Katherine Hepburn e The Big Sleep com Humphrey Bogart e Lauren Bacall).
Cole Thornton (Wayne) é um pistoleiro a soldo, contratado por um rancheiro rico, Bart Jason, para resolver uma disputa com a família McDonald.
Quando chega a El Dorado, Cole encontra o sheriff local, J.P. (Mitchum), amigo de longa data, que lhe diz que se aceitar o trabalho estará contra ele. Cole desiste do trabalho, depois de levar um tiro de um membro da família McDonald.
Meses depois, Cole voltará a El Dorado, com Mississipi (Caan), depois de descobrir que outro pistoleiro foi contratado em seu lugar e que J.P. sucumbiu ao álcool. Cole volta para proteger J.P.
Hawks descreveu El Dorado como "No story, just characters". Mas entre a descrição do realizador e a noção de que não há uma história vai um longo caminho, maior ainda se o compararmos com alguns filmes actuais. O argumento é parecido com Rio Bravo, as personagens estão lá todas, mas por alguma razão gosto mais de Mitchum do que de Dean Martin, e Ricky Nelson também não entra neste. Hawks achava que podia melhorar nesta segunda versão, eu prefiro o elenco deste El Dorado, ajudará que o papel feminino seja menos definido, menos forte, em El Dorado são os homens que dominam, é neles que a câmara e a história focam.
Comecei bem o ano, mas ia continuar melhor.
Uma das críticas que se fazem aos filmes de cowboys é que são todos iguais. Por acaso, acho que há dois tipos de filmes, os que têm índios e os que não têm, mas por vezes essa crítica tem razão de ser.
Daí que The Man who shot Liberty Valance seja um bom ponto de como a crítica pode ser injusta.
The Man who shot Liberty Valance data de 1962 e é realizado por John Ford. Sergio Leone dizia que dos filmes de Ford era o seu preferido porque era o filme em que Ford aprendia alguma coisa sobre o pessimismo. Confesso que o tom acre em que o filme termina foi o que me desconcertou.
Os westerns sempre cantaram o heroísmo dos homens rodeados de índios, era a tentativa de criar a civilização no meio de nada com inimigos por perto, ou tentando manter essa civilização de pé face a bandidos e foras da lei. Com Leone, aparece o pistoleiro cínico, quase amoral, como herói.
Em Liberty Valance temos um fora da lei (Lee Marvin) abjecto que domina quase por completo uma cidade. Tom Doniphon (Wayne) é o garante da estabilidade, um velho cowboy de moral forte, que sonha casar com Hallie, mas antes de a pedir em casamento, vai construindo a casa que ela merece, um quarto e uma varanda. Um dia aparece Ransom Stoddard (Stewart), atacado no caminho por Valance, um jovem advogado que acredita que a lei é mais forte que as armas e que sonha derrotar Valance através dos conhecimentos adquiridos.
O filme começa com o regresso de Stoddard à cidade de Shinbone, no final do século XIX, para o funeral de um amigo, pouco já resta do oeste que iremos ver daí a pouco. Stoddard, agora Senador, conta a história a 3 jornalistas, sobre o que aconteceu quando chegou à cidade, conta a história do Homem que matou Liberty Valance.
O mundo que Stoddard relembra tem pouco a ver com o mundo dos filmes de Ford. O sheriff é um acagaçado de todo o tamanho, bem como o resto da cidade. O mau da fita faz o que quer, quando quer e ninguém se atreve a contradizê-lo, Doniphon é o pequeno foco de luz, o único entre Shinbone e o caos. Quando Stoddard chega, a esperança instaura-se, já não através do poder do fogo das armas, mas da palavra, dos argumentos, da lei escrita.
No final, Valance morre e a ordem pode ser então inaugurada, mas como ele morre e a forma como ela é inaugurada é o que faz deste filme um clássico.
Ao vê-lo, relembrava-me de Era uma vez no Oeste, de formas diferentes são dois adeus ao western, homenagens ao género. Um canta o final daquele mundo, triste com o passado que já lá foi, o outro abandona o oeste e as histórias contadas, olhando para o futuro, mas reconhecendo que vai ser diferente do passado.
Já vos disse que comecei bem o ano?
Mais não digo, vejam-no.