Fui de manhã até à Bertrand à coca de dois livros, este No Teu Deserto de Miguel Sousa Tavares e o último de Stieg Larsson (literal e duplamente o último).
Lembro-me que os primeiros textos que li de Miguel Sousa Tavares foram as crónicas de Um Nómada no Óasis, crónicas sobre os anos do cavaquismo. O Nómada seria ele, mostrando uma das suas facetas mais conhecidas hoje, a de polemista e crítico.
Mas fiquei fascinado com a prosa de Sousa Tavares (MST) em dois ou três números da GR, lembro-me vivamente de três crónicas, uma sobre a Amazónia, outra sobre as praias de dunas brasileiras e outra sobre o deserto. Sousa Tavares foi, durante muito tempo, sinónimo de crónicas de viagens, daí o prazer que tenho em, de vez em quando, reler uma ou outra crónica de Sul.
Fui dos que leu e gostou de Equador, mas ficou desiludido com Rio das Flores. Daí que tivesse ficado num misto de emoções ao ler uma das entrevistas numa das revistas semanais, que entre outros assuntos versava sobre este No Teu Deserto.
No Teu Deserto é um livro curto, um quase romance, como se pode ler na capa, livro pessoal, (parece-me) de homenagem a alguém e de "desculpa" pelos desencontros naturais da vida.
Comprei o quase romance pela lembrança da reportagem no deserto. Daquilo que me prendera na altura, há algo ali, as descrições, mas em pouca quantidade e profundidade. O objectivo do livro é outro, ainda que a linguagem utilizada esteja mais próxima das reportagens do que dos romances que lhe grangearam fama do escritor que mais vende em Portugal.
No Teu Deserto conta a história de uma viagem, mas mais do que isso conta a história de um encontro e das memórias desse encontro, da importância que esse encontro (entre duas pessoas) tem no futuro de cada uma delas, ou melhor, da importância que a distância entre essas duas pessoas tem nas memórias que cada um guarda (e do peso) do que foi vivido nessa viagem.
"Mas é verdade que havia uma coisa que, essa sim, era genuína: tínhamos uma possibilidade real de nos perdermos na travessia, de ficarmos dias e dias a fio, como nos aconteceu de facto, sem cruzar vivalma - homem, veículo ou animal. Ou seja, o deserto então era verdadeiramente deserto, travessia e descoberta." (Pág. 24)
Mais do que a travessia no deserto, o livro é atravessado pela relação entre Cláudia e o narrador (MST). Há momentos em que parece que se perdem, mas sabem onde estão, atravessam juntos a imensidão de areia, óleo e pedras, descobrem-se um ao outro, mas será depois do deserto que a vida, os interesses, o tempo, os fará perderem-se quase um do outro.
"- Escrever não é falar.
- Não? Qual é a diferença?
- É exactamente o oposto. Escrever é usar as palavras que se guardaram: se tu falares de mais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer." (Pág. 100)
Fala-se demais, mas também de menos. Por vezes, sentimo-nos impotentes perante o tempo, o contexto, as situações. Este livro terá o objectivo de desnudar o que ficou por dizer, de homenagear a amizade perdida.
O deserto já não será o físico, mas o da falta de alguém. O deserto dela, o que ela deixou.