Tenho muitas, quiçá demasiadas, leituras em mão. De um lado puxa-me o Tony Judt, do outro o Vila-Matas, além é o de Lillo, mas há sempre um que, por uma ou outra razão, toma a dianteira. Desta vez é Rentes de Carvalho, com Tempo Contado.
Comecei-o a ler ontem, como quem não quer a coisa, envergonhado, que isto de ler as vivências e os pensamentos pessoais de outrém cria alguma retinência na minha pessoa.
Rentes de Carvalho é sincero, por vezes, talvez, demasiado sincero. Não há aqui a tentativa, pode haver, mas não o aparenta, de esconder ou precaver-se de alguma coisa. Os pensamentos sobre o relacionamento com a mãe, a exasperação que ela que provoca são desconcertantes, talvez porque desconcertante é a diferença de caracteres e espírito, mas também diferente a atitude e hábitos diários. Vejo-me a criticá-lo, como não compreender a pobre anciã, só durante meses a fio? E depois penso nas minhas atitudes, em como sou, e compreendo-o bem. O que choca é a clarividência e coragem de o escrever/transpôr como ele o faz.
Sorrio com a surpresa, quase vergonha como descreve a suite enorme em que o colocam no Estoril. Sorrio com o fado meteriológico, que chova quando ele quer trabalhar, mas que a chuva fuja quando chega à sua aldeia, ali as chuvas serão de outra ordem.
Mas Tempo Contado tem outro dom, parece que leio e vou lendo, talvez mais lentamente do que o normal e as páginas teimam em passar devagarinho. E atenção, não é crítica, é benesse literária.